Obra / Arquitetura

URBANIZAÇÃO DA PRAÇA XV DE NOVEMBRO
Ano: 1991
Local: Rio de Janeiro
País: Brasil
Descrição:

 

"Passeava com meus amigos Balbi e João Niemeyer pelas imediações da Praça XV surpreso com o descaso que surgia por toda parte. Contornei os antigos prédios ali existentes: Lojas, bares e restaurantes servidos por um pátio sujo e abandonado e segui até a estação das barcas de Niterói, uma construção de aspecto provisório que lamentavelmente se adapta naquele ambiente degradado. Decepcionado penetrei num dos embarcadouros, curioso de ver a paisagem que escondia. E lá estava a nossa bela Baía da Guanabara, a Ilha Fiscal e as barcas e veleiros que lhe dão movimento e alegria.

Voltei para a Praça XV. Desejava conhecê-la melhor. À minha frente estavam o viaduto e o chafariz de Valentim que nos velhos tempos tinha mais destaque com a praça menor e mais próxima do mar. 

Há muito tempo procuro guardar para mim a revolta que a história urbanística do Rio provoca e que naquele momento me envolvia outra vez diante dos aterros sucessivos ali cometidos; do desprezo com que os novos prédios foram pouco a pouco desfigurando aquela área como se o Paço Imperial não fosse um monumento importante na história do nosso país. Sabia com que carinho esse prédio foi restaurado, com que interesse meu velho amigo José de Souza Reis dele cuidou, mas isso não impediu que a Praça XV fosse mal conservada e desmerecida.

Procurei então sentir como ela se enquadrava, como seriam esses prédios nela construídos, dirigindo-me ao prédio da Bolsa de Valores que marca o correr de construções que desse lado a compõem. Mais irritado fiquei. Apenas o edifício que compõe o Arco do Teles se ajustava à arquitetura do Paço Imperial. O resto, até a rua 1º de Março, era um amontoado de prédios vulgares, de construção relativamente recente que dos edifícios vizinhos e o Paço Imperial, os que os construíram nunca se ocuparam.

Estava na rua 1º de Março defronte à rua 7 de Setembro. Numa das esquinas via-se o antigo Convento do Carmo, sóbrio, pintado de branco; da outra, a Catedral Metropolitana, escura, pesada, sem nenhum interesse para mim. E fiquei a considerar porque não a pintavam de branco ligando-a pela cor ao Convento e ao Paço. Branca foi sempre a cor de todas as construções do período colonial.

Como aquela Praça foi desmerecida! Como poderia ser recuperada? Como transformá-la numa praça de verdade, simples, ressaltando assim o Paço Imperial.

Mas o problema que me apresentaram não se limitava à Praça mas a toda aquela área compreendida entre o Albamar e o velho prédio da Bolsa de Valçores. Era o plano de conjunto que deveria apresentar.

A visita que fizera dava uma visão geral do problema tendo em vista apenas a idéia de defender esta cidade, de criar para ela grandes espaços livres onde diante do mar o povo se encontrasse num ambiente de cultura e lazer.

Não seria um plano de caráter imobiliário como tantos foram construídos entre nós, mas um exemplo de como deveria e deve ser tratada essa faixa litorânea que caracteriza o Rio como cidade a beira-mar.

Para isso não a poderia ocupar demasiadamente. Até invadir o mar o faria para defendê-la. "Construir naquela área ou no mar o problema técnico e econômico é praticamente o mesmo", disse-me Bruno Contarini.

E fui delineando o meu projeto. Na Praça, para lhe dar a unidade arquitetônica indispensável e um ambiente mais vivo e atraente, começaria escondendo os prédios existentes, construindo diante deles dois blocos de apartamentos, com cinco pavimentos e lojas no pavimento térreo, prevendo entre eles, o espaço necessário para que o Arco do Teles ficasse visível e de bom acesso. Os dois blocos seguiram o espírito arquitetônico do prédio construído para abrigar o Arco de Teles: simples, com pequenas aberturas, pintado  de branco, dando às lojas destino definido: música, livrarias, bares e restaurantes. A Catedral seria pintada de branco e a estação e os embarcadouros desviados para longe do prédio da Bolsa de Valores, deixando aquela área ligada com o mar.

Com essa solução e os dois blocos (de hotel e apartamentos projetados) o prédio da Bolsa de Valores ficaria praticamente fora da Praça XV e seu arquiteto livre para conceber seu novo projeto.

Mas a Praça continuava extensa demais e como eu gostaria de vê-la numa escala mais justa, despida de vegetação, ressaltando o Paço Imperial, transferir as árvores nela existentes para a área entre o viaduto e o mar, pareceu-me a solução mais justa, fazendo-a menor, amis sóbria e este setor mais acolhedor, todo arborizado, com bares e mesas ao ar livre.

Restava estudar a área compreendida entre o Albamar e a estação das barcas e a vontade de criar os espaços livres que esta cidade reclama, nela fixei apenas um hotel, um shopping e um bloco com três cinemas. Para isso,l como já previa, invadiria o mar onde projetei um teatro, um bloco de exposições e artesanato, um aquário submarino e um restaurante.

O projeto está pronto e eu a imaginar como aquela área toda seria enriquecia, criando locais de cultura e lazer, dando a esta cidade as características e a beleza que uma cidade a beira-mar propicia.

A solução me agradava. Seria qualquer coisa diferente de tudo que, junto ao mar, entre nós foi sugerido. E considerei que um grande estacionamento poderia ser previsto com vários acessos, inclusive com a estação de barcas.

É possível que alguém se espante com esse avanço inesperado pelo mar a dentro mas se conversarem com o Bruno Contarini, um dos técnicos de concreto armado mais experiente que temos entre nós , ele responderá tranquilamente: 'É coisa simples. Nada de especial.'

Revi o projeto. Pensei muito sobre o que propunha e senti que o Rio, tão massacrado, poderia um dia ser ainda mais bonito."  *1

 

"Sempre tive especial apreço pela velha arquitetura portuguesa que surgiu entre nós, no período colonial. Para isso influíram o fato de ter eu trabalhado no Sphan e, principalmente, o carinho, sem limites, com que Rodrigo M.F. de Andrade e seus colaboradores dela cuidavam.

Quando projetei a Pampulha e cobri de curvas a igreja de São Francisco, como me agradou sentir que com isso a aproximava, ela e minha arquitetura, das velhas igrejas barrocas de Minas Gerais. Daí minha indignação quando vejo coisas daquela época desmerecidas por falta de zelo ou das verbas indispensáveis.

No Rio, sempre me revoltou o descaso com que a Praça XV vai se desfigurando, sem levar em conta o palácio do Paço Imperial nela construído, importante para nós, histórica e arquiteturalmente. Gosto desse palácio. Lembro meu velho amigo José de Souza Reis, que nele trabalhou, revendo plantas e documentos, descobrindo, inclusive, um acréscimo esquecido no tempo, o que deu maior movimento e beleza à sua arquitetura.

Um dia fui visitar a Praça XV, surpreso com o descaso com que é tratada, sem levar em conta velhos princípios de arquitetura que bem cabiam para sua recuperação. Primeiro, preservar sua escala original, o que não ocorreu com os aterros sucessivos, deslocando o palácio da posição centralizada que antes existia.

Até a parte paisagística da praça, apesar de não ter sido estudada, revela, com as grandes árvores existentes, que não seria o bom caminho seguir. Numa praça como a Praça XV - temos exemplos por todo o mundo - o correto é deixá-la livre, valorizando sua arquitetura.

No meu estudo sobre a Praça XV, a tudo isso atendi. Na praça, para completá-la e esconder os prédios que a cercam, construiria um pequeno edifício, um hotel com três andares e pilotis, transferindo aquelas árvores para depois do viaduto, onde seriam previstos bares, restaurantes e farta vegetação.

Uma passagem subterrânea levaria o público a esse setor e aí, naquele espaço tão bonito, inseri minha arquitetura. Não seria um plano de caráter imobiliário como tantos outros surgiram entre nós, mas um exemplo como deveria ser tratada a faixa litorânea que caracteriza o Rio como cidade à beira-mar.

Minha idéia seria evitar ocupá-la demasiadamente. Queria, ao contrário, que constituísse um novo espaço de lazer para o povo desta cidade, já tão ofendida pelo poder imobiliário. Um espaço diferente como o local sugere, um novo e espetacular ponto de atração para o Rio de Janeiro.

E iniciei meu estudo projetando, nessa área, um grande shopping, que sabemos, por experiência, ser o melhor meio de atrair o povo, com suas lojas, seus restaurantes, bares, etc. E para deixá-la livre de construções, para resguardar esse novo espaço, que o povo reclama e merece, invadi o mar, onde previ um teatro, um restaurante e um pequeno local para música popular. Depois, olhando os croquis que fazia, senti que a solução era correta, que, com o plano realizado, aqueles edifícios se encheriam de gente a olhar, como, num sonho, o teatro, o restaurante e a cave de música popular a flutuarem nas águas da baía.

E prossegui com meus croquis. Ora, eram os bares, as mesas ao ar livre, um mundo de gente a passar pelo cais; ora à noite, o povo reunido defronte do teatro a assistir aos espetáculos programados (o palco abriria também para o lado da praça). Seria uma coisa diferente a surgir nesta cidade. Espetacular e inovadora, como às vezes deve ser a arquitetura.

Como nos velhos tempos, quando Gide convidava um amigo para ler um capítulo de um novo livro, conversei com meus colegas, inclusive com José Carlos Sussekind, um engenheiro da maior categoria, que pontificou: 'Construir no mar não representa problema técnico. Na Europa construíram um estacionamento dentro dele e no Japão vão construir uma cidade'.

Esses os comentários que me ocorrem sobre o problema da Praça XV e seus arredores. Um estudo que fiz nas horas vagas, entre um trabalho e outro, sem nenhuma preocupação de que fosse aproveitado. Um passatempo que vou esquecer e que me fez muito bem.

Nota: não me detive nos problemas do tráfego. Previ apenas um ponto de partida. Uma rua que, descendo sob o pequeno hotel, se inserisse em subsolo no traçado do viaduto, e no outro lado da praça, nos grandes estacionamentos previstos em toda a faixa litorânea."  *2

 

*1 NIEMEYER, Oscar. [Urbanização da Praça XV]. 05/06/1991. Fundação Oscar Niemeyer. Coleção Oscar Niemeyer

*2 UCHÔA, Cláudio. O futuro do passado. O Globo, Rio de Janeiro, 07 jul. 1995. Segundo Caderno, p.1.