Obra / Arquitetura

Fundação Oscar Niemeyer
RESIDÊNCIA DO ARQUITETO NA LAGOA
Ano: 1942
Local: Rio de Janeiro
País: Brasil
Descrição:

 

"Um dia, conversando com meu amigo João Cavalcanti, resolvemos construir as nossas casas no Sacopan. O local era tranquilo, aberto para o panoramam belíssimo da Lagoa Rodrigo de Freitas. Ele elaborou o projeto da sua casa; fiz o da minha; e João que era arquiteto e construtor as construiu.
O terreno era pequenoe a vista tão bonita que, na verdade, comandou o projeto.
As salas, a cozinha e o quarto da Milota foram localizados no primeiro andar, acima dos pilotis, e o nosso quarto e o de Anna Maria, já casada, no andar superior, servidos por uma rampa.
O pé direito da sala tinha altura dupla. O primeiro lance da rampa levava à sobreloja onde eu trabalhava, e o outro aos quartos e banheiros.
Foi a primeira vez  que desenhei uma sala como aquela. Como gostava daquele espaço maior que nos dava a sensação de estarmos do lado de fora! E ficávamos a olhar a lagoa, o mar distante a se perder de vista.
Tempo bom, de paz e trabalho, com os amigos a nos procurarem... o Reis, o Duprat, o Eça... Pro que tudo correu tão depressa, meu Deus?
Lembro o Wallace Harrison, que me convidara para participar do projeto da sede da ONU em Nova York, a me dizer, sentado comigo diante daquela paisagem magnífica: 'Oscar, agora compreendo por que você não quer sair do Brasil.'
Nunca havia desenhado uma janela para cachorro - o que fiz nesta casa, no peitoril da varanda, com a intenção de atender a cachorrinha Fly, que possuíamos , a pular ansiosa em volta do peitoril da varanda, quando sentia que eu começava a chegar. Recordo até a janelinha que cortei naquele peitoril, um quadradinho de 20 por 20 cm, onde ela metia a cabecinha para me ver.
Cero dia, um jornalista norte-americano veio me entrevistar. E como me surpreendi vendo na capa de uma revista um detalhe da fachada em que ela aparecia! Acho que o rapaz se espantara: nunca tinha visto um arquiteto projetar uma janela para cachorro.
Um dia, um prefeito do Rio resolveu aumentar os gabaritos daquela região e a vista belíssima que justificou a construção daquela casa ficou prejudicada: em seu lugar, as áreas de serviço dos apartamentos que o poder imobiliário logo se paressou em construir.
Permaneci nesta casa muitos anos. Momentos felizes que recordaria com prazer, se não me viesse à memória que foi nela que Milota faleceu. Uma pessoa muito querida que, abnegada, de nós cuidou a vida inteira.
E fico a lembrá-la tristemente como se dela não tivesse me ocupado como tanto merecia." *1
 
 
*1 NIEMEYER, Oscar. Casas onde morei. Rio de Janeiro: Revan, 2005. 71p.